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domingo, 25 de outubro de 2009

20 anos

Saiba mais sobre a guerra na Bósnia

Em 1915, proclamou-se o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, que incluía a Bósnia e a Herzegóvina. O país foi rebatizado de Reino da Iugoslávia em 1929, após um golpe de Estado autoritário em que comunistas e adversários da hegemonia sérvia foram perseguidos.

Liderados por Josip Broz Tito, os comunistas chegariam ao poder em 1941, após organizarem, com apoio dos aliados, a resistência guerrilheira aos nazistas, que haviam tomado o país. Ao término da guerra, o país manteve-se unido como uma federação de repúblicas, uma das quais era a Bósnia-Herzegóvina.

Após a morte de Tito em 1980, o Poder Executivo foi assumido por um organismo colegiado, com representação de todas as repúblicas e rotação anual da Presidência. Mas, em vez de pacificar as rivalidades entre as entidades federadas, a medida pareceu exacerbá-las.



Foto: Arquivo / AFP

Soldado norte-americano durante ocupação de tropas internacionais na Bósnia-Herzegóvina para garantir o cumprimento do acordo de Dayton, em 1996 (Foto: Arquivo / AFP)

A explicação recorrente de atribuir a guerra da Bósnia à desagregação do Estado iugoslavo é, na opinião da antropóloga Andrea Peres, pesquisadora da Unicamp que vive em Sarajevo, "uma forma simplista de ver a história".

"No começo da década de 80, você tinha uma forte crise econômica na Iugoslávia; um grande líder que morre (e Tito era um fator de união); uma Presidência colegiada, além da Iugoslávia como uma confederação de seis repúblicas e duas províncias autônomas, com alto grau de autonomia a partir da década de 70. Começa a ter um debate de abertura para democratização, o que significa fim de um partido único. O nacionalismo pouco a pouco foi sendo alimentado", afirma.

A confluência de fatores, alimentada pela forte propaganda oficial, ajuda a explicar, mas é insuficiente, segundo a antropóloga, para justificar o início da guerra, já que o mesmo não ocorreu em outras regiões que também se dissolveram após a queda do Muro de Berlim, a exemplo da Tchecoslováquia e da União Soviética.

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Temendo a onda nacionalista que já chegara à Sérvia, dirigentes croatas e muçulmanos da Bósnia queriam seguir o exemplo de Eslovênia e Croácia, em processo de separação da Iugoslávia. Em outubro de 1991, a assembleia provincial da Bósnia aprovou uma declaração de independência e, em janeiro do ano seguinte, convocou um plebiscito sobre a sucessão.

O referendo para a independência foi aprovado em março e, no mês seguinte, ela foi reconhecida pela União Europeia e pelos Estados Unidos. O conflito se disseminou rapidamente por toda a região. Sob a liderança de Radovan Karadzic, os sérvios cercam a capital bósnia, Sarajevo, e ocupam 70% do país, matando e perseguindo os muçulmanos e croatas a fim de estabelecer uma República Sérvia.
Via satélite
Cidades como Sarajevo, Srebrenica, Zepa, Gorazde, entre outras, tornaram-se enclaves muçulmanos criados para proteger a população civil sitiada e ameaçada. Cenas da guerra eram transmitidas diariamente pela televisão, numa das primeiras grandes coberturas de conflitos armados.

"Podíamos seguir via satélite o calvário de uma população civil exposta a uma violência que, acreditava-se, não voltaria a assolar a geografia europeia: campos de concentração, deportações em massa, assassinatos, cercos a cidades, civis vítimas de franco-atiradores e ataques do exército federal iuguslavo ou de milícias. Isso diante da impotência dos organismos internacionais, dos Estados Unidos, da União Européia...", escreve Omar Ribeiro Thomaz, doutor em Antropologia Social pela USP, no artigo "Bósnia-Herzegóvina: A Vitória da Política do Medo" (revista "Novos Estudos", março de 1997).

Dados da Anistia Internacional e da ONU (Organização das Nações Unidas) falam em milhares de civis e combatentes mortos após serem capturados, além de relatos de tortura, maus-tratos e estupros. Cercada durante quase quatro anos, a cidade de Sarajevo se transformou em símbolo da resistência de um povo acossado pelo conflito.

Foto: Reuters

Radovan Karadzic é auxiliado por policial nesta terça-feira (3) no Tribunal de Haia. (Foto: Reuters)


Acordo
Após diversas tentativas de paz fracassadas, a Otan bombardeou as tropas servo-bósnias. Um acordo de paz começou a ser desenhado em 1995, quando os presidentes Alija Izetbegovic (líder muçulmano da Bósnia), Franjo Tudjman (Croácia) e Slobodan Milosevic (Sérvia) aceitam os termos do documento mediado pelos EUA em Dayton (Ohio).

O acordo, que reconheceu a existência de dois mini-Estados etnicamente puros, após a eliminação física ou expulsão das minorias étnicas, é questionado até hoje.

"Todo mundo aqui fala que o acordo de Dayton legitimou atrocidades que aconteceram durante a guerra. A República Sérvia foi limpa, ocorreu uma limpeza étnica. Cidades inteiras que eram misturadas e agora não são mais. A assinatura [desse acordo] legitimou esse território formado em quatro anos de guerra", diz a antropóloga Andrea Peres, que coleta relatos sobre o conflito em Sarajevo.
Condenação
Para a pesquisadora, a condenação do ex-dirigente sérvio-bósnio Radovan Karadzic, apontado como o mentor do massacre em Srebrenica, pode ser uma das últimas medidas que podem ser tomadass na busca de justiça pelo horrores cometidos durante a guerra da Bósnia, após a libertação, no último dia 7 de outubro, de outra ex-líder dos sérvio-bósnios, Biljana Plavsic.

Representantes de Karadzic, que foi preso no ano passado e deportado para o tribunal internacional de Haia após 11 anos foragido, já anunciaram que ele não comparecerá ao julgamento.