8 de novembro de 2009.
REVOLUÇÃO PACÍFICA E EXITOSA
A queda do Muro de Berlim 20 ANOS DEPOIS
A ALEMANHA VIVEU UMA VERDADEIRA REVOLUÇÃO, PACÍFICA E EXITOSA
Quando, em 1989, caiu o principal símbolo da Guerra Fria, o Muro de Berlim, o mundo se viu diante de uma oportunidade única para se redescobrir. No entanto, tem sido necessário até hoje um imenso esforço para integrar essa nova situação à ordem política e ao dia a dia das sociedades.
Assim, novos e velhos conflitos se sobrepuseram, com perigosas heranças e arriscados recomeços. Isso não se refere apenas aos países europeus, trata-se de um fenômeno mundial. O fato é que não presenciamos o “fim da história”, como previu apressadamente Francis Fukuyama.
A experiência de 1989, para muitos jovens, já pertence a um passado que, no dia a dia, traduz-se apenas, literalmente, aos souvenirs daquela época. Principalmente por essa razão, os últimos meses têm sido marcados, sobretudo aqui na Alemanha, mas também na França e em outros países, por um esforço no sentido de dar atualidade a esse passado, com o compartilhamento de lembranças e experiências.
Muros como divisores de mundos existiram não somente em Berlim. Infelizmente, eles continuam a existir entre Estados Unidos e México, Israel e Palestina, Coreia do Norte e Coreia do Sul, Chipre turco e Chipre grego, para mencionar apenas os mais notórios.
Há, ainda, muros que não são de pedra nem de arame farpado, como os que separam a Ucrânia da Europa Central e a África da península Ibérica e Itália. Os dois impedem as pessoas de tentarem uma nova vida na Europa.
As fronteiras têm uma ambivalência histórica na medida em que os muros sinalizam não apenas a divisão ou o isolamento, mas também proteção. A Alemanha Oriental não chamou o Muro de Berlim, cinicamente, de “proteção antifascista”?
Para a Alemanha, a principal consequência da queda do Muro de Berlim foi a reunificação, uma verdadeira revolução alemã, pacífica e exitosa. Com a reunificação, a Alemanha chegou às suas verdadeiras fronteiras depois de tantas idas e vindas. A Alemanha tornou-se Alemanha sem todas aquelas provisoriedades e aspas.
Os temores, principalmente dos franceses e ingleses, de que uma Alemanha reunificada e forte pudesse novamente ameaçar a estabilidade da Europa, mostraram-se infundados. Após um breve “intermezzo” preto-vermelho-amarelo, a Alemanha voltou a se concentrar no europeísmo que havia abraçado logo após a guerra.
Para que despertasse algum sentimento patriótico, a “Wende” (ou virada, como também é aqui chamada a reunificação) chegou, historicamente, tarde demais. Nem a Copa do Mundo de 2006 foi capaz de reacender, como muitos pensavam, algum sentimento patriótico. A euforia que eu próprio pude testemunhar aqui era pelo futebol mesmo.
Ocorre que, em 1990, no momento em que a Alemanha se tornou finalmente uma nação plena, o Estado-nação, pelo menos aqui, já era visto como um modelo ultrapassado. As experiências anteriores da Alemanha como Estado-nação foram negativas para si própria e para seus vizinhos.
Assim, ao surgirem, no pós-guerra, duas Alemanhas, a República Federal da Alemanha passou a se ver como um Estado “pós-nacional”, e a República Democrática Alemã abraçou o internacionalismo.
Como resultado, a Alemanha passou a ser considerada pelos próprios alemães, em grande medida, como uma etapa intermediária do desenvolvimento desse espaço geográfico em direção a uma identidade transnacional, europeia.
Com grande entusiasmo, a Alemanha sacrificou o marco alemão no altar da União Europeia, com igual entusiasmo abriu as fronteiras para o Leste e os alemães tornaram-se os europeus por excelência. Não se pode esquecer, por outro lado, que a Alemanha é uma nação tardia e que a noção de “cultura alemã” é anterior ao Estado-nação que, por sua vez, surgiu na forma de dois blocos, o da Prússia luterana e o da Áustria católica.
20 anos após a queda do muro, a Europa está novamente diante de um momento histórico. Assim como em 1989, o Ocidente e o Leste se reencontraram, e neste ano o Tratado de Lisboa da União Europeia entrará finalmente em vigor.
O tratado tem muito a ver com aqueles dias históricos em Berlim há 20 anos, pois, com a queda do muro, aumentou expressivamente o número de membros da União Europeia, sem que ela contasse com meios para facilitar a administração desse clube ampliado. Com o Tratado de Lisboa, a EU disporá dos instrumentos que permitirão uma presença mais efetiva no mundo e uma melhor coordenação entre seus membros. Sem dúvida, um importante legado de 1989.
ROBERTO COLIN | Diplomata, ministro-conselheiro da Embaixada do Brasil em Berlim
http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&s